domingo, 6 de março de 2011

Inclusão

Relato de uma experiência que vivenciei há alguns anos. Eram crianças entre sete, oito anos. Na sala havia uma criança que todos achavam linda, inteligente, bem vestida, com os melhores materiais (toda classe tem). Um dia, peguei uma caixa linda, bem decorada. Falei à classe que ali dentro tinha a foto da pessoa mais importante do mundo, mais bonita, inteligente, amiga, especial... e que eu chamaria um de cada vez para ver quem era, começou o murmurinho, todos achavam que era a “menininha linda”, a popular da sala. Mas tinha uma condição: tinha que ver e jamais revelar o segredo. Apenas pensar sobre o que viu.
Cada vez que chamava uma criança, abria a caixa e ela via seu reflexo (dentro da caixa havia um espelho)o sorriso abria, o abraço era espontâneo. Algumas crianças choraram porque, depois me explicaram, jamais foram chamadas de lindas e especiais.
Depois desta experiência, muita coisa mudou naquela sala de aula.
Isso é inclusão.
Inclusão, um assunto que muito tenho a aprender. Cada vez que aprendo algo, percebo o quanto sou ignorante no assunto.
Há anos vivo diferentes situações quando me deparo com um (ou mais) aluno portador de deficiências. Situações de: de apoio, de preconceito, de pessoas que querem ajudar, mas não têm respaldo dos órgãos públicos, injustiças, pessoas maravilhosas, profissionais brilhantes, indiferença.
Acredito na inclusão escolar. Sei o quanto ela pode favorecer o desenvolvimento da criança especial, pois é na escola que ela encontrará modelos, parâmetros, se socializará e aprenderá a ser um verdadeiro cidadão. Mas a escola tem que contribuir com esse processo. Sei que é difícil, os professores não têm apoio, esclarecimentos, se querem fazer um bom trabalho, o investimento é por conta própria. As escolas deveriam ser adaptadas, possuir materiais específicos para cada deficiência. A escola, deve trabalhar de forma diferenciada, mas sem excluir a criança, precisa lidar com dinâmicas familiares instáveis. É muita responsabilidade. Todos na escola devem falar a mesma língua, não adianta um grupo fazer um trabalho consciente com a criança e chegar alguém da comunidade escolar e se referir a criança como “coitadinho”, como “o diferente”.
A equipe gestora (diretor, vice e coordenadores), assim como todos os funcionários da escola (porteiro, segurança, merendeira, faxineira etc) deveriam participar de palestras com profissionais específicos, pessoas que vivenciam a inclusão na família, advogados (para conhecer seus direitos), ter cursos.
Crianças com déficit de aprendizagem deveriam participar de aulas diferenciadas, onde suas habilidades fossem desenvolvidas. Aquelas com comprometimentos cognitivos severos deveriam ser direcionadas para o esporte (desenvolver coordenação, assimilar regras etc), cursos profissionalizantes. Mas tudo isso deve começar em uma classe comum.
A criança especial deve ser encarada pela comunidade escolar e pelos órgãos públicos como um desafio positivo e não como um depósito de queixas (da família, da escola). As escolas deveriam ser adaptadas e, quando o professor tivesse uma ou mais inclusões, seu número de alunos deveria ser reduzido. Há casos de professores que têm 40 ou 42 alunos e inclusões. Não há como desenvolver um trabalho eficaz.
Pediatras, dentistas, assim como todo profissional que se relacionará com a criança especial deve ser capacitado.
Ano passado conheci uma verdadeira educadora (ainda bem que elas/eles sempre aparecem em meu caminho para dar uma injeção de ânimo), PEB I, como eu com uma classe de primeiro ano, crianças de cinco anos. E, no meio de tantos, ele: um deficiente visual! O que a professora fez? Enlouqueceu de desespero por, aproximadamente, cinco, seis minutos! E depois pesquisou, estudou, pediu ajuda, socializou sua situação, mandou email para órgão público, recebeu uma máquina de escrever em braile, ensinou os demais professores da escola a escrever os próprios nomes em braile, levou esta criança ao zoológico e, se eu viver duzentos anos, não me esquecerei seu sorriso quando, puxando uma fila de crianças encontrou comigo, também, puxando uma fila de crianças e gritou: Aqui tem um espaço específico para cegos e ele amou! Todo mundo amou.
O incluso não pede piedade. Quer respeito e oportunidade de viver de forma digna, ser um cidadão verdadeiro.


Sempre procurei fazer o melhor, mas também reconheço que às me rendo ao sistema, começo reclamar, não enxero dias melhores. São nesses momentos que “acontecem” situações como a descrita acima e muda tudo. Que bom!
Após reflexões, percebi que fiz/faço muitas atividades que levam meus alunos a vivenciarem experiências à respeito das diferenças individuais. Acredito, que tendo meus valores claros, acabo revelando isso em minhas ações, diálogos, colocações, no meu modo de pensar/viver. Pois, também, sou fruto de grande personalidades que passaram/ou estão passando pelo meu caminho. E, em algum momento, acabo introjetando, em quem convive comigo, estes valores. A padronização comportamental me incomoda. Como fico feliz ao perceber alunos que conhecem nossos grandes nomes da MPB em detrimento às música vazias de consumo. Há três, quatro anos, durante uma brincadeira da cadeira na festa das crianças, quando uma professora colocou uma daquelas músicas desagradáveis, um aluno meu perguntou: Por que você não coloca A Banda, do Chico Buarque, a gente sabe cantar.
No Estado de São Paulo, o material que os professores dos 3o. anos recebem para desenvolver faz um bom trabalho com Chico, Caetano, Cartola, Pixinguinha, Vinicius, Gilberto Gil; mas eu sempre trabalhei com este material, mesmo antes do Estado sugerir. Também já ouvir alguns professores dizerem que não gostam de trabalhar com essas músicas de "gente que já morreu", ou então que nunca haviam ouvido determinadas músicas (Ciranda da Bailarina, por exemplo), que não são músicas infantis etc. Temos músicas infantis de ótima qualidade, também.
Procuro mostrar aos alunos a importância dos clássicos. O porquê deles se perpetuarem. Leio muito para eles. No início meus autores preferidos (Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Erico Veríssimo...), depois eles adquirem uma autonomia literária que chega a emocionar.
Coisas engraçadas acontecem: Quando falei do Ziraldo, a surpresa foi: Ele não morreu? É um escritor vivo? Outra vez, uma aluninha, que hoje é adulta, chegou numa segunda-feira muito brava, triste e decepcionada: O Caetano Veloso não é criança, ele é velho e você nunca me falou isso, professora Janete! Bom, eu nunca imaginei que isso fizesse alguma diferença. Ao ser questionada ela esclareceu que O leãozinho "é coisa de criança".
Preocupo-me vendo estas pessoas que saem às ruas, vestidos de branco pedindo paz. Muito louvável, só que uma boa parte dessas pessoas, na primeira fechada no trânsito, soltam palavrões impublicáveis, ameaças e, muitas vezes, até brigam fisicamente. Que tipo de educação esta criatura teve, quais professores passaram pela sua vida? O que ficou? Ficou alguma coisa?
E aqueles que defendem a Amazônia com "unhas e dentes", mas jogam lixo no chão, compram alimentos a mais do que consumirão, compram coisas que nem sabem para que serve, lava o carro por horas, tomam banho relaxante de duas horas, jogam o cigarro aceso à beira das estradas, sentem aversão por moradores de rua, chutam cachorros, afogam filhotes de gata...
Muitas vezes sou contaminada pelo pessimismo, mas, sempre, graças a Deus, algo digno de registro acontece. Há umas três semanas, a bibliotecária da escola (Yoshico) me chamou e, com um sorrisão no rosto, me contou uma coisa que encheu meu pedagógico coração de esperança: meus alunos, à caminho da biblioteca, pararam para ver uma solitária e linda rosa que havia desabrochado no jardim da escola.
Acho que estou no caminho certo...
E a rosa em questão está lá no alto, digo, aqui embaixo...

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